60% dos casos de câncer de próstata são em negros, alerta especialista

Por estarem em maior risco, o acompanhamento para rastreamento da doença deve começar mais cedo nessa população

câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens no Brasil, atrás apenas do câncer de pele não melanoma, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Entre os fatores de risco estão a idade (a partir dos 60 anos), histórico familiar da doença, sedentarismo e obesidade. No entanto, homens negros também podem estar em maior risco, segundo especialistas e estudos recentes.

De acordo com Jorge Abissamra Filho, coordenador da Oncologia da Hapvida Notredame Intermédica, cerca de 60% dos casos de câncer de próstata ocorrem em homens negros. “Os casos tendem a ser mais agressivos e a maior parte dos diagnósticos é tardio, o que dificulta o tratamento e diminui as chances de cura”, afirma.

O especialista explica que homens negros apresentam mais polimorfismos, ou seja, variações genéticas que conferem grau de agressividade potencialmente maior ao quadro de câncer de próstata. “Homens negros também têm mais sensibilidade androgênica, ou seja, o organismo é mais sensível à ação da testosterona, favorecendo o surgimento do câncer que está diretamente ligado a ação desse hormônio”, acrescenta.

O que dizem os estudos?

A maior prevalência de câncer de próstata na população negra já foi observada por diferentes estudos. Um trabalho publicado no período Cancer, da Sociedade Americana do Câncer, em 2017, por exemplo, mostrou que cerca de 30% a 43% dos homens negros desenvolvem o tumor pré-clínico — ou seja, em fase que não apresenta sintomas — aos 85 anos. Isso representa um risco 28% a 56% maior do que entre homens de qualquer raça, segundo os pesquisadores.

O estudo apontou, ainda, que entre os pacientes com doença pré-clínica, os homens negros têm um risco semelhante de serem diagnosticados com câncer de próstata (35% a 49%) em comparação com a população em geral (32% a 44%) na ausência de triagem.

No entanto, seu risco de progressão para doença avançada no momento em que são diagnosticados é de 44% a 75% maior do que na população em geral (um risco de 12% a 13% em homens negros em comparação a um risco de 7% a 9% na população em geral).

Outra pesquisa, também publicada no periódico Cancer, em 2023, indicou que homens negros têm mais probabilidade de ter câncer de próstata do que homens brancos, mesmo apresentando o mesmo nível de PSA (antígeno prostático específico) — um marcador importante para o tumor.

Uma das formas de rastrear o câncer de próstata é realizando exame de PSA, feito a partir da coleta de sangue, que permite medir os níveis da molécula no organismo. Níveis elevados de PSA no sangue podem indicar a necessidade de investigação para confirmar a presença da doença.

O estudo sugere que os homens negros possuem risco maior de câncer de próstata do que homens brancos mesmo com níveis mais baixos de PSA. Os resultados indicam a importância do rastreamento precoce e mais frequente do câncer de próstata em homens negros.

Uma pesquisa mais recente, publicada no último dia 15 no JAMA Network, analisou mais de 6,5 milhões de veteranos dos Estados Unidos e descobriu que pacientes negros tiveram um risco mais de duas vezes maior do que pacientes brancos em todos os estágios do câncer de próstata.

O risco de progressão da doença variou de acordo com o estado do tumor, raça e etnia, com pacientes negros e hispânicos tendo riscos de progressão mais altos em estágios iniciais, mas riscos mais baixos nas fases posteriores.

Negros também são sub-representados em ensaios clínicos

O oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer, explica que, além dos fatores biológicos, existem outros fatores relacionados ao maior risco de câncer de próstata na população negra. Entre eles, estão questões socioeconômicas — que podem dificultar o acesso ao diagnóstico precoce e tratamentos mais modernos — e a sub-representação em ensaios clínicos oncológicos, que estudam novas formas de tratamento e rastreamento para a doença.

“Certamente, os pacientes negros do Brasil têm um poder socioeconômico menor do que pacientes caucasianos. Isso vale não só para pacientes com câncer de próstata, mas pacientes com outras doenças. Essa é uma triste realidade brasileira”, afirma. “Além disso, esses pacientes também são menos representados nos protocolos de pesquisa”, acrescenta Maluf.

A inclusão de participantes negros nesse tipo de estudo é uma oportunidade de oferecer medicamentos inovadores para o tratamento de câncer de próstata, principalmente em casos mais avançados e cujas terapias convencionais não estão tendo resultados significativos. Com uma menor representatividade negra nesses ensaios, essa população tem menor chance de contar com essa oportunidade.

Rastreamento do câncer de próstata em negros deve começar aos 45 anos

Por estarem em maior risco, homens negros devem iniciar o acompanhamento para rastreamento do câncer de próstata mais cedo do que a população geral, segundo Abissamra Filho. “Nesse caso, orientamos a iniciar os exames a partir dos 45 anos, enquanto a população geral, a orientação é a partir dos 50”, completa.

O rastreamento é importante para a detecção precoce do tumor, que aumenta a chance de tratamento bem-sucedido. De acordo com o Inca, o diagnóstico em estágio inicial pode ser feito por meio desses exames do toque retal e do exame de sangue para avaliar a dosagem do PSA, com pessoas com sinais e sintomas sugestivos da doença ou de pessoas sem sintomas, mas com maior risco para desenvolver o câncer.

É importante abrangermos ainda mais as políticas de conscientização como o Novembro Azul, não só para a população negra, mas para todos os homens em idade adulta”, observa Abissamra Filho.

O Brasil ainda passa por uma barreira cultural muito importante em relação ao acompanhamento do câncer de próstata, pelo preconceito do toque retal, e que infelizmente acaba matando muitos homens de todas as etnias. A conscientização é o principal remédio para combater o preconceito e a desinformação. Os negros, ainda mais por ser um grupo de risco ainda maior”, finaliza.

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